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[ENTREVISTA] Empresas precisam de alma digital – Walter Longo

“Em entrevista exclusiva, Walter Longo, mentor de estratégia e inovação da WTM, revela como as empresas podem superar os desafios do novo mundo”

“Empresas precisam atuar de maneira efêmera para se tornarem perenes”. A contestação de Walter Longo, atual mentor de estratégia e inovação da WTM, não foi feita com base em achismos. O publicitário, administrador de empresas e um dos nomes mais reconhecidos da comunicação do país, é apaixonado por esse novo mundo digital e está dedicando suas reflexões para analisar as rupturas que temos vivenciado nos últimos anos. Vivemos em uma era pós-digital, revolucionada pela tecnologia e de mudanças cada vez mais velozes. Acompanhar o ritmo dessas transformações e sobreviver a esse cenário é um grande desafio para as empresas. É sobre isso que conversamos com ele, em entrevista exclusiva para o PARAR. Confira a reportagem.

 

PARAR: Você fala muito sobre esse mundo pós-digital e em como essas transformações estão impactando nossas vidas e relações de trabalho. Como você acha que as empresas precisam se reinventar nesse cenário?

WALTER LONGO (W.L): No mundo pós-digital, a principal mudança conceitual é entender que entramos na era da efemeridade. Agora, temos que mexer em time que está ganhando, temos que correr para não sair do lugar, ou seja, entramos num módulo de mudança permanente, fruto das mudanças que estão tão gigantescas e exponenciais que se não estivermos nesse ritmo, ficamos para trás. Em resumo: empresas que atuarem de maneira efêmera vão ficar perenes, empresas que atuarem de maneira perene, serão efêmeras e tendem a desaparecer. No novo ambiente pós-digital, as empresas não morrem por fazerem coisas erradas, morrem por fazer a coisa certa por um tempo longo demais.

 

PARAR: Há uma fórmula para essa reinvenção ou cada um terá que encontrar seu próprio caminho?

W.L: Dentro desse conceito de efemeridade, os caminhos são distintos, mas a aceleração tem que ser igual para todos, porque todos os negócios estão em um momento disruptivo. Empresas de qualquer segmento estão sendo desafiadas a rever seu modelo de negócio, encontrar novas fórmulas de relação com o público e gerir sua atividade com as possibilidades que o mundo pós-digital oferece. Essas possibilidades são:

1)      Sistemas colaborativos de gestão e comercialização

2)      Utilização de algoritmos numa relação cada vez mais individualizada com o público

3)      Estruturas matriciais menos hierárquicos

4)      Empoderamento das pontas, dando mais autonomia às pessoas e criando controles mais flexíveis

 

PARAR: O mercado automotivo é talvez um dos segmentos que mais será impactado por essas novas mudanças. Como você enxerga isso?

W.L: Mais importante do que desenvolver armas digitais, é desenvolver uma alma digital. A indústria automobilística está bastante avançada no desenvolvimento de armas digitais. Ela se concentra na criação de gadgets e equipamentos, mas ainda está atrasada no desenvolvimento de uma alma digital, que significa uma nova fórmula de relação com o mercado e a gestão do seu negócio. Desde que o mundo separou ao hardware do software, as máquinas passaram a aprender novos truques. Antigamente, se eu  comprasse um celular, eu tinha que entender que ele faria sempre a mesma coisa. Hoje, eu que compro um telefone para falar, mas depois, posso usá-lo para descobrir que música está tocando, medir a pressão, acessar a internet… eu compro um aparelho e ele vai evoluindo já depois de estar em minha posse. É isso que chamo de alma digital, essa separação entre hardware e software. Hoje, os automóveis são verdadeiras máquinas digitais, que permitem uma relação de crescente evolução com o ser humano, mas em sua maior parte, a indústria automobilística pensa de maneira perene e não efêmera. O automóvel deveria ter, ao invés de uma revisão, um upgrade. Eu teria então, depois de 2 upgrades, um automóvel ano 2016, versão 2.0. e não o mesmo carro depois de duas revisões. Isso mostra como essa indústria ainda está, de alguma maneira, muito ligada à era industrial e não digital.Outra característica dessa indústria é a de que ela é muito liderada por homens. E para entrar na era digital, é necessário ter mulheres na liderança, já que acredito que mulheres são digitais e homens analógicos.

 

PARAR: Pode explicar mais sobre esse conceito?

W.L: Pra começar, concordo com o conceito já amplamente comentado de que homens são monotemáticos e mulheres são multitarefa. Mas além disso, costumo dizer que mulheres são digitais e homens analógicos por uma teoria que remonta o tempo das cavernas e foi se desenvolvendo pelos tempos. Na era industrial, o homem dominou o comando das organizações, porque se tratava de uma época caracterizada por estruturas matriciais, escassez e disputa por poder. Sempre que essas características estão em jogo, os homens são mais competentes que as mulheres. No momento em que a nova ordem do jogo agora é muito mais colaborativa e matricial, num ambiente que precisa mais do diálogo do que do monólogo e que prioriza relações mais humanas e menos disputa pelo poder, a mulher é muito mais preparada para esse mundo do que o homem. E por que isso acontece? Isso acontece porque no tempo das cavernas, o homem saía para caçar e disputava a carne com outros homens. As mulheres ficavam nas cavernas com o objetivo de colaborar umas com as outras e todas pelas famílias dividindo suas tarefas, necessidades e problemas. Os homens aprenderam, portanto, a lutar por tudo, baseados na escassez – e por isso autoridade e poder são o jeito do homem gerir. As mulheres, por sua vez, dividiam tudo umas com as outras. Assim, o mundo de hoje é mais propício para as mulheres. É claro que homens podem se adaptar a isso, mas, para elas, é um caminho muito mais natural.

 

PARAR: Quando você fala que empresas precisam ter “alma digital” parece ser um grande desafio para as corporações tradicionais, que estão há 30, 50, 100 anos no mercado. É uma transformação nas raízes e na cultura da companhia. Você acha que um caminho para essas empresas é se aproximar da cultura inovadora das startups?

W.L: Não existe mudança bottom up, só existe mudança top down. A mudança e inovação efetiva de uma organização só ocorre quando a liderança toma essa decisão. É claro que esse processo depois vira bottom up para se espalhar para toda a empresa, mas pessoas naturalmente resistem à mudança. Há vários modelos de busca da inovação. Às vezes tentando mudar a própria estrutura, às vezes criando mecanismos laterais que acabem inoculando o espírito da inovação numa empresa mais antiga. Já vi sucesso e fracasso nos dois modelos. Independentemente do modelo o fundamental é a vontade do comando da empresa em realizar a mudança.

 

PARAR: O PARAR acredita que as empresas serão as grandes responsáveis pela construção do amanhã. Você concorda?

W.L: A mudança está nas pessoas e não dá pra separar: Empresas são, na verdade, reuniões de pessoas. Existem também outras reuniões de pessoas como igrejas, sindicatos e governos, mas talvez as empresas tenham estruturas mais propícias para realizar grandes transformações. Mas repito, de qualquer modo, quem cria o novo são sempre as pessoas.

 

Karina Constancio